quinta-feira, 29 de julho de 2010

Conto XIII

Apenas, um dia!


Acordo! Faço minha higiene pessoal, tomo café e troco de roupa para ir trabalhar. Ao ligar o carro observo que o combustível está na reserva. Que chato! Terei que desembolsar alguns trocados com gasolina.


No caminho tenho que desviar de buracos na pista. O sinal vermelho de um semáforo faz com que eu pare. Nem todo mundo age da mesma maneira. Muitos invadem. Que povo mal educado!


— Filho da p... — esbravejou, revoltado, um motorista que fora fechado por um outro veículo.


Meu mundo fica verde e volto a seguir a minha jornada. É cedo e a cidade ainda não despertou por completo. Vejo moradores de rua dormindo em calçadas tendo como colchões pedaços de papelão. Vida ingrata! Enfim, chego ao trabalho. 


— Bom dia! — Bom dia seu Carlos! Como vai? — indaga-me o vigia da empresa.


— Muito bem, obrigado! 


Abro a sala do escritório e visualizo minha poltrona. Ela é grande, preta, bem acolchoada. Confortável. Porque será que reparei na minha poltrona? Hora de trabalhar. Ligo o computador. Ler minhas mensagens é a minha primeira tarefa do dia. Mas eu não disse que era hora de trabalhar? Nada disso. Inicialmente verifico os “e-mails” e leio os jornais. È assim todos os dias. 


Depois de muita correria, discussões, erros e acertos, é hora do almoço. Nem sempre consigo ir almoçar em casa. Hoje é um desses dias. Comerei uma pizza na pastelaria da esquina. Se não fosse pelo trabalho tomaria uma taça de vinho. Peço uma pizza pequena de mussarela, minha preferida. A garçonete me diz que talvez demore um pouco, pois há muitos pedidos. Disse isso com um belo sorriso. Fiquei encantado por ela. Nunca a tinha visto trabalhando ali. Tinha um belo corpo, cabelos compridos. Loiros.


— Já estou trazendo sua pizza! Não quer beber nada? — perguntou-me a linda garçonete. 


Fiz um gesto com a cabeça demonstrando que não iria beber nada e agradeci. Os minutos se passavam e nada de pizza. Comecei a ficar incomodado. Irritado. Nem aquele sorriso que tanto admirei fez com que eu me acalmasse. Detesto esperar. Enfim, quinze minutos depois chega a minha vez. Ela chegou. Refiro-me à pizza. Tinha apenas trinta minutos para devorá-la.


— Queimada! — gritei, após experimentar o primeiro pedaço — a minha pizza está queimada! 


— Desculpe-me senhor eu trarei outra. — disse-me a garçonete, constrangida. 


— Pra esperar mais quanto tempo? Esquece! Perdi o apetite. 


Saí da pastelaria com fome e indignado.


— Como foi o almoço? — perguntou-me o vigia da empresa


Fiz uma cara feia e nada respondi. Fiquei emburrado o resto do dia. Qualquer coisa me tirava do sério. Seis horas da tarde. Liberdade! Volto pra casa. Era dia de academia, mas só penso em compensar minha dieta forçada do almoço preparando uma bela macarronada e tomando todo o vinho que tiver vontade. Ouço um barulho. O carro insiste em ir para o lado direito. Estaciono e vou verificar o que aconteceu. Pneu furado. Imaginei o que mais de ruim poderia acontecer. 


— Onde está o estepe? — gritei desesperado - Roubaram meu pneu! 


Cai na gargalhada. Tive uma crise de riso que parecia não ter fim. Eu ria da minha própria desgraça. Depois de resolvido o problema, chego a minha casa, exausto. Deixo a ideia de macarronada de lado e me contento com um pedaço de bolo e um copo de suco que estava na geladeira. Procuro um filme na televisão. Pego no sono.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Conto XII

Fio de Esperança

– “O Sertanejo é antes de tudo um forte!”. Quem foi que disse isso mermo?

– Eu sei lá quem disse isso homi, ta variando?

– Eu tô falando sério! Um poeta disse isso, só não lembro o nome do danado.

– E porque ele disse isso, José?

– Sei lá, ele deve de ter procurado passarinho pra caçar e pra não voltar de mãos vazias apareceu com um calango do mato ou pode ter visto a criação morrer de fome e de sede no quintal de casa. De repente ele já chorou depois de ouvir os filhos pedindo por comida, quem sabe? O que eu sei é que a gente nasce, vive e morre lutando. Lutando por um cadim de comida, uma cama macia, um cobertor pra fugir do frio, um teto pra proteger nóis da chuva e do sol.

– É isso mermo! – concordou Maria.

José, Maria e seus dois filhos estavam alojados na quadra de esportes de um colégio, pois sua casa havia sido destruída pelas águas do açude que, depois de ter quebrado a represa devido às fortes chuvas, invadiram o pequeno povoado onde dezenas de famílias foram atingidas. A situação era crítica e os desabrigados tinham que contar com a solidariedade de outras pessoas.

– Aposto que esse poeta num sabe o que é perder sua casa e sua plantação! – resmungou Maria.

– Maria, eu acho que ele quis dizer é que pra tudo tem um jeito, e se não tem, o sertanejo arruma. Quantas vezes a gente passou fome? Lembra daquela vez que a gente deu farinha com açúcar pras crianças por três dias seguidos? A gente continua vivo, num continua?

– Eu num entendo José, a gente passa um aperto daqueles pra plantar arguma coisa e a chuva num vem, até rezar nóis reza e nada. Agora, vem esse mundo de água e derruba nossa casa e estraga nossa plantação. Isso é justo?

– As coisa de Deus nós num discute mulé, pode até lamentar, mas num discute!

– Pai, mãe eu tô com fome! – disse o filho mais novo ao acordar

José e Maria se olharam, procuraram a sua volta e nada tinham a oferecer à criança.

– Dorme meu filho, dorme! – disse José, desconsolado.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Conto XI

Inesquecível

Lembro-me do meu último presente de criança que meu pai me deu no natal de 1980. Era um domingo e logo cedo todos se preparavam para ir à igreja. Nesse dia eu havia dormido na sala, pois tínhamos visitas. Meu tio Carlos e meus primos vieram festejar conosco a data natalina. Tio Carlinhos, como eu o chamava, era um homem alto, cabelos grisalhos, um bigode enorme que lhe cobria a boca. Ele era engraçado! Seus filhos eram duas pestes! Juan tinha mania de chutar canelas e puxar nossos cabelos. Aos doze anos ainda não sabia escrever direito e vivia de castigo. O filho mais velho de meu tio era o Joaquim que tinha, se me lembro bem, uns quinze anos. Achava-se o tal! Vaidoso, demorava duas horas no banheiro para tomar banho. Não nos dávamos muito bem, pois como ele era mais velho que eu gostava de me dar cascudos sem motivo algum. Ele só não era páreo para meu amigo Nestor.

A amizade entre Nestor e eu era fora do comum! Fomos criados juntos desde os dois anos de idade e nossas mães eram comadres. Pelo menos se tratavam assim. Era comadre pra lá, comadre pra cá!

Eu já ia esquecendo, tava falando do brinquedo que meu pai me dera. Era um carro de plástico. Um carro desses de corrida, eu não sei qual era a marca. Se não fosse pelo tamanho todo mundo diria que era de verdade. Fiquei apaixonado logo de cara e agradeci ao meu pai pulando e agarrando-me em seu pescoço. Estava muito feliz!

– Obrigado meu pai! Obrigado!

– Não foi nada meu filho, que bom que você gostou!

Depois de agradecer ao “meu velho” fui ao encontro de Nestor para lhe mostrar o lindo presente que havia ganhado. Nem me lembrei de meus primos. Nestor e eu tínhamos a mesma idade e gostos bem parecidos. Não sei quem foi influenciado por quem. A diferença entre nós era apenas no tamanho. Nestor era um “monstrinho”! Desenvolveu-se muito rápido e aos doze anos já tinha a mesma altura que seu pai, que não era pequeno.

– Nestor, olha o que eu ganhei! Olha só, olha! – gritei quase sem fôlego.

– Calma cara!

– Veja isso! Não é uma beleza? – perguntei-lhe

Nestor sorriu e me pediu para dar uma volta com meu carro. Apesar de eu mesmo ainda não ter colocado meu carrinho no chão era o meu melhor amigo quem tava pedindo. Não vacilei.

– Claro cara! Pega um barbante e vamos amarrar aqui na frente!

Apesar do tamanho Nestor era um moleque que gostava de brincar como qualquer outro. Ao sair de sua casa com um barbante na mão vi a dimensão de sua alegria. Parecia ainda mais alegre que eu. Estávamos amarrando o carro para que pudéssemos puxá-lo quando minha mãe me gritou:

– Filho, o que você está fazendo?

– Estou brincando com o Nestor, estamos inaugurando meu carro novo!

– Está bem, mas não demore pro almoço!

Amarramos o barbante e Nestor saiu a toda velocidade com meu possante. Tudo ia bem até que fiquei com vontade de aproveitar o meu brinquedo.

– Nestor, agora é minha vez!

– Agora não! – respondeu ele.

– Como não? O carro é meu, ta?

Ao ouvir essa minha frase, Nestor parou repentinamente e com um olhar frio devolveu-me o carro sem dizer uma só palavra indo embora para sua casa.

– Ele exagerou, ele exagerou! – repeti comigo mesmo.

Diante do que havia acontecido voltei para a minha casa e fui tomar banho para o almoço. Minha mãe estava na cozinha, de tão agoniada nem me viu passar. Deixei meu brinquedo na varanda, tomei meu banho, troquei de roupa e fui à sala. Meu pai e meu tio assistiam ao futebol. Não sabia onde estavam meus primos. Logo após o almoço fui para meu quarto fazer a lição de casa, alguns exercícios que a minha professora tinha passado. Logo anoiteceu.

De tão cansado acabei adormecendo, só despertando pela manha e depois de um terrível pesadelo. Sonhei estar circulando com meu carrinho pelas ruas da cidade até que um garoto de outra rua tomava meu brinquedo das minhas mãos e saia cantarolando:

– Tomei o brinquedo de um otário! Tomei o brinquedo de um otário!

Foi horrível! Levantei que nem um louco e fui olhar se minha maravilha de quatro rodas ainda estava onde eu havia deixado.

– Ué! Cadê meu carro? – gritei.

Corri de um lado pro outro procurando, olhei embaixo dos móveis, no quintal e nada. Estava trêmulo, nervoso e comecei a chorar. Num instante veio em minha mente o dia anterior. Lembrei do quanto Nestor havia ficado chateado comigo. Pensamentos ruins vieram à minha cabeça.

– Será que foi o Nestor? – pensei em voz alta.

Nunca imaginei desconfiar do meu melhor amigo, mas isso martelava na minha mente. Não conseguia pensar em outra coisa, então resolvi procurá-lo.

– E aí cara, onde ta meu carro?

– Porque ta me perguntando? Depois de me humilhar, agora ta me chamando de ladrão?

Nestor se aproximou de mim e com uma força absurda acertou o meu queixo com um soco. Parecia que um cavalo havia me dado um coice. Voltei pra minha casa com a certeza de ter perdido meu melhor amigo. Assim que cheguei encontrei meu pai que foi me perguntando:

– Que cara é essa, meu filho?

– Meu carro sumiu! – respondi

– Não sumiu, não! ­– disse meu pai – seu tio foi embora hoje cedo muito envergonhado depois de devolver o seu brinquedo que Juan escondeu em uma das malas.

– Que droga! – retruquei

– Não gostou de ter seu brinquedo de volta?

– Não é isso, é que eu desconfiei do Nestor. Ele nunca vai me perdoar.

No outro dia, todo encabulado, fui à casa do Nestor, contei tudo que havia acontecido e lhe pedi desculpas. Ele me ouviu atentamente, olhou-me fixamente e veio em minha direção. Fechei os olhos esperando outro soco. Nem pensei em correr, eu tava merecendo. Em vez de um nocaute ganhei um grande abraço.

– Deixa de besteira meu amigo! – disse-me Nestor – vamos brincar!

terça-feira, 20 de abril de 2010

Conto X

Em cada canto um encanto!

Há seis anos resolvi fazer uma viagem sem destino certo. Parei numa cidadezinha próxima a Salvador devido a um problema mecânico no carro em que eu estava e tive uma grande surpresa. A cidade a que me refiro era, realmente, muito pequena. Tinha uma pracinha bem arborizada, casas modestas e uma singela igreja branca com portas azuis. O defeito no veículo não era tão simples e o conserto demoraria pelo menos ate o dia seguinte, por isso fui a um barzinho beber alguma coisa e relaxar um pouco.

– Uma cerveja, por favor!

– Qualquer uma? – perguntou o dono do bar

– Uma que esteja bem gelada, de preferência. – respondi.

Sentei-me numa das cadeiras do lado de fora do bar e comecei a beliscar uns salgadinhos quando vi uma morena linda passeando pela praça. Parecia uma deusa! Tinha os cabelos enrolados, corpo escultural, magro, mas com curvas sinuosas. Nesse momento eu não via e nem ouvia mais nada. Minha atenção era toda daquela formosura que era uma mistura de mulher e menina. Ao passar por mim ela me olhou. Aproveitei e fiz sinal com o copo, rendendo-lhe homenagem e, ao mesmo tempo, convidando-lhe a sentar à minha mesa. Ela sorriu! Andou mais alguns passos, parou e voltou em minha direção.

– Você me conhece?

– Não, mas adoraria conhecê-la – respondi – não quer sentar e conversar um pouco?

– Tudo bem, mas não vá pensando besteiras.

Ela sentou e começamos a conversar. Havia nascido nesta mesma cidade e pouco saia de lá. Morava com seus pais e tinha o sonho de fazer um curso de enfermagem, mas para isso teria que se deslocar para uma cidade maior, algo que ainda não era possível. Fui mais ousado e perguntei se tinha namorado.

– Vou embora, você já ta com segundas intenções

– Calma! Foi só uma pergunta e se não quiser responder, tudo bem.

– Ta, mais olha lá, viu? – ela retrucou, com cara de brava – eu tenho “ficante”

Fiz-me de bobo e perguntei:

– O que é um “ficante”?

– É um quase namorado – Disse-me com um lindo sorriso.

Ela, parecendo confiar mais em mim, começou a falar de sua vida sofrida, apesar de sua pouca idade. Contou-me de seus conflitos com sua mãe.

– Eu odeio ela! Ela me maltrata.

– Mas por quê? – perguntei

– Sei lá, ela nunca gostou de mim.

Percebendo sua tristeza tentei mudar de assunto, mas antes disso, sua mãe veio como uma doida e a puxou pelos cabelos, fazendo o maior escândalo. Fiquei sem saber o que fazer enquanto as duas sumiam por uma das vielas da cidade. Paguei a cerveja e saí à procura de um lugar para passar a noite, mas não tirava aquela menina da cabeça.

– Será que nunca mais a verei – pensei em voz alta.

Noutro dia, ao sair da pensão, dei de cara com ela, cabisbaixa.

– Não agüento mais, eu só quero ser feliz – disse-me ao me abraçar – me deixa ir com você! Me leva!

Fiquei um pouco perturbado com o seu abraço e com o que ela me pediu. Tentei lhe explicar que esse não era o melhor caminho, que deveria estudar fazer o seu curso e tentar, de alguma maneira, se entender com sua mãe. Infelizmente ela não meu deu ouvidos e saiu, aos prantos, dizendo:

– Eu não posso contar com ninguém mesmo!

Voltei pra minha cidade. Nunca mais a tinha visto até que no mês passado fui convidado para uma cerimônia de formatura de uma amiga. Aceitei ao convite, apesar de achar uma chatice. Nem sabia qual era o curso dos formandos e para minha grata surpresa eis que vejo aquela morena linda recebendo das mãos de sua mãe o diploma de formatura do Curso de Enfermagem. Ela admirou-se a me ver, mas se aproximou e disse com um sorriso largo:

– Pensei bem no que você me disse da ultima vez em que nos falamos e resolvi seguir seu conselho, obrigado!

Abraçou-me e se foi.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Conto IX

TUDO COMO DANTES...

Numa ilha muito distante, bem no meio do Pacífico, existia um reino. O Reino dos Acomodados. Tudo ia bem até que um belo dia um grave problema abalou as estruturas do reinado. Foi o maior alvoroço. Todos comentavam o desfalque ocorrido. A Rainha teria desviado uma boa quantia em dinheiro que era destinado ao pagamento de fornecedores.

– Isso é caso de polícia! – indagou um dos membros da população – Temos que recorrer à polícia, além das medidas internas de averiguação e punição.

Houve quem discordasse, quem achasse que não era para tanto.

– Coitada! – disseram – Ela tava devendo a agiotas e precisou pegar o dinheiro, mas vai devolver.

– Coitada? Foi isso mesmo que eu ouvi? – gritou, a mesma pessoa que havia sugerido a intervenção policial, indignado – Eu sempre solicitei a prestação de contas e só ouvia desculpas esfarrapadas, mentiam dizendo que estava tudo bem e que tudo seria esclarecido. Aí está o resultado!

Além da rainha a Comunidade era dirigida por mais três integrantes que dividiam, entre si, as tarefas administrativas com a ajuda de uma assistente. O pagamento aos fornecedores deveria ser feito por meio de cheques e nestes deveria constar duas assinaturas para melhor controle, a da rainha e a do secretário do tesouro. Porém, isso não foi o bastante para impedir que metessem a mão no dinheiro. Houve quem admitisse o erro, quem tirasse o corpo fora, quem colocasse a culpa um nos outros, mas tudo ficou impune. Praticamente sem maiores conseqüências para a rainha e seus colaboradores, apesar de algumas reuniões dos membros da comunidade para discutir o assunto e de uma inevitável intervenção.

 – E agora? – perguntaram.

– Agora temos que aprender a lição. A rainha tem que ser destituída e processada, assim como os demais membros da cúpula e alguém, que zele pela nossa comunidade e que preste contas de seus atos, deve entrar em seu lugar. Vamos cobrar! Tudo será diferente!

Ninguém queria assumir o reinado diante de tantos problemas. Apenas um membro aceitou a indicação. Inclusive, dizia ele, que também cobrava da administração anterior a devida prestação de contas. E assim aconteceu. Um novo rei surgiu, mas os problemas não desapareceram. Depois de um longo período e graças à venda de terras pertencentes à comunidade as dívidas foram pagas. Os fornecedores se viram obrigados a receber o que lhes foi oferecido numa negociação em que os valores originais foram diminuídos. A prestação de contas não foi feita até então, mesmo depois de passados alguns anos. E a população, fazendo jus ao nome do reino, continua acomodada. Não reclama. Exceção àquela voz que, de maneira isolada e corajosa, ainda clama por transparência.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Conto VIII

Sentimento!

Maura estava feliz da vida! Enfim havia conseguido engravidar depois de inúmeras tentativas e de um tratamento especial. Ao saber da notícia, após ter feito um teste daqueles comprados em farmácias, ligou para sua melhor amiga:

– Eu vou ter um filho! Eu vou ter um filho!

– Que legal Maura! – disse sua amiga Jenifer – Lembre-se de fazer todos os exames!

– É claro, amiga! Eu sei disso.

A felicidade era tanta que Maura nem esperou o marido voltar pra casa. Foi ao seu trabalho contar a novidade.

– Querido eu tenho uma coisa pra te contar!

– Fala amor, o que foi que houve?

– Sabe uma coisa que a gente queria muito que acontecesse, mas tava demorando demais?

– Você quer dizer que... É sério? Vamos ter um filho?

Maura acenou que sim com a cabeça e com um sorriso largo no rosto. Os dois pularam de alegria e depois de muitos beijos e abraços Henrique perguntou:

– Como você soube? Não me disse que iria ao médico.

– Eu não fui! – respondeu Maura – Fiz um teste daqueles testes de farmácia, mas eu já estava desconfiada devido aos enjôos.

– Temos que ir ao médico, Maura!

– Eu sei meu amor, a Jenifer disse a mesma coisa. Nós vamos amanhã mesmo, está bem?

– Ok! Vou pedir uma folga na Repartição.

No outro dia foram ao médico que solicitou alguns exames. Após uma semana Maura retornou sozinha à clínica para saber os resultados.

– Olá doutor!

– Como vai Dona Maura? Sente-se, por favor! A gente precisa conversar um pouco.

– Algum problema doutor?

– Dona Maura, depois de analisar os exames eu sinto em dizer que seu filho nascerá com a Síndrome de Down!

– Como é? O que o senhor disse?

– Essa doença... – o médico tentava explicar quando foi interrompido.

– Eu sei o que é essa doença doutor! – esbravejou Maura aos prantos – O senhor está errado, não pode ser! Não pode ser!

– Dona Maura, se essa criança tiver amor e carinho, um tratamento precoce e um esforço maior em sua educação ela será quase tão normal quanto qualquer outra.

Maura saiu atordoada da clínica. Desorientada, saiu pelas ruas tentando entender o que estava acontecendo.

– “Eu terei um filho retardado!” – pensou.

Vendo a angústia no semblante de Maura, uma mulher de boa aparência pergunta-lhe:

– Com licença! Posso te ajudar? Parece estar com problemas.

– Problemas, eu? Imagina! Eu estou ótima! Sempre quis ter um filho e agora que consegui engravidar descubro que ele nascerá retardado. Eu não tenho problema nenhum! – ironizou. – Quem é você? Eu nem te conheço!

– É verdade! Mas saiba que sei muito bem o que está sentindo.

– Como pode saber? – indagou Maura. – Tem um filho com Síndrome de Down?

– Não, mas tenho um filho que tem AIDS! – retrucou – Soube que ele nasceria com a doença logo cedo, nos primeiros exames. Foi aí que soube que eu estava contaminada também. Chorei muito. Culpei-me, pois fui eu quem compartilhou seringas por conta do vício. Pensei até em fazer um aborto.

– E por que não fez?

– Eu não sei! Desisti na porta da clínica onde tiraria o bebê. Um sentimento de mãe tomou conta de mim e não me arrependo por ter mudado de idéia. Hoje, apesar da doença, meu filho é uma criança linda que me dá muito orgulho. Sou feliz! Vivo intensamente cada momento da minha vida ou o que resta dela com o meu filho.

Ao ouvir o depoimento daquela desconhecida, Maura refletiu bastante, enxugou as lágrimas e chegou à conclusão que não adiantaria nada se lamentar. Voltou para casa e contou tudo ao seu marido. Oito meses depois eu nasci! Tenho minhas limitações, é verdade, mas sou um garoto feliz. Tenho uma família que me ama e me respeita do jeito que eu sou.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Conto VII

Descaminhos!

Negro e pobre, Paulinho sofria com o preconceito de outro garoto que o molestava toda vez que ele se dirigia à escola.

– E aí, neguinho? – perguntou Bruno – Ta pensando que vai pra onde?

– Meu nome é Paulo e não está vendo que estou indo à escola?

– Olha só o rapazinho é atrevido! – comentou Bruno aos seus dois amigos que o acompanhavam - Tem medo de morrer não muleque?

– Por favor, me deixa ir embora.

– Não antes de eu te dar um cascudo.

 – Ai! ai! ai!...

Paulinho continuou sua caminhada segurando o choro e passando a mão por sua cabeça enquanto os outros meninos riam sem parar.

 – Ainda mato esse cara! – comenta consigo mesmo.

Paulinho não entendia porque aqueles garotos não gostavam dele apenas por ser negro, pois a maioria de seus amigos era de cor branca e nunca haviam manifestado nenhum tipo de ato discriminatório. Com muita raiva ele repetia o tempo todo:

 – Eu mato aquele cara, eu mato!

O melhor amigo de Paulinho era André, um menino branco de olhos azuis que morava do outro lado da cidade. Percebendo sua angústia ao chegar à escola André perguntou:

– O que houve?

– Nada!

– Como nada, ta aí todo cabisbaixo? Fala comigo!

– Ta bem! Tem uns meninos aí que vem me batendo e me humilhando todo dia no caminho pra escola.

– Como assim? Por quê?

– Eles me chamam de neguinho, deve ser porque sou negro.

– Não leve isso tão a sério, assim como tem gente boa, também tem babacas brancos, negros, verdes, amarelos... Muda seu caminho pra vir à escola.

Paulinho esboçou um sorriso e achou interessante a sugestão de seu amigo.

No outro dia mudou seu caminho como sugeriu o André. De nada adiantou, lá estava o trio, pareciam ter adivinhado a estratégia de sua vítima.

– Neguinho, neguinho... Pensou que iria nos enganar, é? Vem cá!

Sabendo que iria apanhar novamente Paulinho resolveu enfrentá-los. Olhou em volta e viu um caco de vidro perto do seu pé e o pegou apontado-o para o seu algoz.

– Vai me enfrentar neguinho?

Bruno avançou pra cima de Paulinho e os dois rolaram pelo chão por alguns segundos até se ouvir um grito. Bruno foi atingido e sangrava muito. Uma ambulância foi chamada, mas foi inútil. Bruno morreu. Paulinho foi enviado a um reformatório.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Conto VI

Esperança!


– Mãe eu estou com sede!


– Tome, mas só um golinho! Estamos com pouca água – disse D. Ofélia.


Não era apenas a pequena Silvia que tinha sede. Assim como ela, algumas dezenas de retirantes percorriam as terras áridas do sertão nordestino em busca de dias melhores em suas vidas cheias de sofrimentos provocados pela seca.


– Ai que cansaço! Quando vamos dar uma paradinha? – perguntou Silvia.


– Não sei minha filha!


– E quem é que sabe minha mãe? 


– Calma querida! Agüenta mais um pouco. 


O Sol parecia mais forte, mais intenso. Todo mundo estava exausto e o José, líder daqueles miseráveis resolveu propor um descanso:


– Vamos dar uma parada minha gente!


– Ufa! – concordou a maioria.


Quase não se via sombra, as árvores que ainda resistiam há muito perderam suas folhas. Os mais velhos diziam que essa teria sido a pior seca de todos os tempos na região.


– Estamos com pouquíssima água. O que faremos José?


– Não sei Ofélia! – respondeu José cabisbaixo – Precisamos de um milagre. 


A cidade mais próxima ficava a dez quilômetros e além da sede, muitos reclamavam de bolhas nos pés. O cansaço era tanto que Silvia acabou dormindo.


– Silvia, acorde minha filha! Silvia! Silvia! Todos perceberam o desespero daquela mãe e ficaram a sua volta sem saber o que fazer.


– O que houve? – grita José. – Minha filha, ela não que acordar!


José pegou um pedaço de pano, molhou-o e passou nos lábios da pequena criatura de treze anos que, devido ao alto grau de desnutrição, parecia ter apenas nove. Ao sentir o pano úmido em sua boca a menina começou a despertar para alívio geral.


– O que houve com você Silvia? Não queria acordar? Fiquei desesperada. 


– Eu tava sonhando minha mãe: a gente tava numa casa linda, cheia de flores ao redor e uma plantação de feijão verdinha, verdinha! Tudo graças a um rio que corria bem perto dali. A senhora não acha que eu deveria ficar por lá mais um pouquinho?


D. Ofélia segurando o choro, mas com a esperança renovada pegou Silvia no colo e todos retornaram à difícil jornada.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Conto V

Um Beijo! 


Era noite e fazia frio na cidadezinha de Serra Velha no alto sertão pernambucano. Dois amigos conversavam numa das esquinas quando ouviram um grito. Sentiram uma mistura de medo e curiosidade. Queriam saber quem havia gritado e o porquê.


– De onde veio esse grito? – murmurou o Pablo.


– Sei lá. Vamos dar uma olhada por aí!


Pablo e João começaram a andar pela cidade, vazia e misteriosa, a procura de alguém que pudesse estar em apuros, quando avistaram uma mulher toda de branco correndo em direção ao cemitério.


– Você viu o que eu vi?


– Preferiria não ter visto – retruca João – O que a gente faz agora? 


- Vamos lá!


– Ta doido? Eu não entro em cemitério à noite nem amarrado. 


A discussão foi interrompida não mais por um grito, mas por um chamado. Uma voz feminina, irresistível, convidava os amigos a entrar no cemitério. Apesar do medo, ambos começaram a se dirigir ao mesmo destino que a moça de branco. 


– Essa voz... Quem teria uma voz tão doce? – comenta João.


Entraram e logo se depararam com a anfitriã inusitada. Não houve reação. Ficaram alguns minutos observando e admirando aquela mulher linda e sedutora.


– Venham! – sussurrou ela. 


Inconscientemente, quase que hipnotizados os garotos atenderam à sua solicitação. 


– Venham! Não temam! Sou Jéssica e preciso de vocês para resolver um problema.


– Que problema? – perguntou Pablo, gaguejando. 


– Apesar de minha beleza nunca fui beijada. Morri antes de conhecer alguém que eu amasse de verdade. Para descansar em paz necessito de um beijo, sempre foi meu sonho.


– Como assim, morreu? – questionaram ao mesmo tempo.


– É, morri! Mas ando vagando, esperando o momento de realizar o meu desejo. Por favor, quem de vocês pode me beijar? 


Os dois não sabiam o que fazer. Correr, talvez fosse a melhor opção. Inesperadamente o Pablo disse:


– Eu beijo!


– Pablo, ela ta morta!


Pablo não deu ouvidos para o que seu amigo falava. Pegou a Jéssica pela cintura e quando parecia que iria beijá-la...

 – Ô Pablo, acorda seu preguiçoso, ta na hora de ir pro colégio! – gritou a sua mãe, enfurecida.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Conto IV

Trapalhadas de Um Pato!


Uma fazenda no norte do Piauí era repleta de animais. Tinha galos, galinhas, perus, coelhos, patos e um lindo pavão. Como era o único da espécie o pavão era tratado como um rei, tanto pelo dono da fazenda, como pelos outros bichos. Mas um pato ciumento e invejoso vivia reclamando do tratamento de majestade dado àquela ave: 


– Ô Dona Carijó o que a senhora acha daquele metido?


– Metido? Quem é o metido “Seu” Pato? – Perguntou a galinha mais bonita do terreiro. 


– O pavão, quem mais seria? – Sou mais a senhora, a senhora sim é uma ave de primeira. 


– Ih! O que foi que deu no senhor? Ta me paquerando? Ai se meu galo ouve isso... 


– Não é nada disso! Só “tô” dizendo que senhora merece mais regalias do que aquele pavão exibido. 


 A galinha sabia da fama do pato e nem ligou para as conversas dele, saiu ciscando como se nada tivesse acontecido.


– “Ninguém me escuta”! – pensou o pato. 


Certo dia o pato resolveu aprontar uma pra cima do pavão que nada fizera para merecer tamanho ódio. O “bicudo” começou a espalhar pela fazenda que o pavão estava dando em cima da D. Carijó. Dizia aos quatro ventos, para todo mundo ouvir:


– Vocês viram que pouca vergonha? Aquele assanhado ta arrastando o rabo pra D. Carijó, alguém precisa contar pro galo o que ta acontecendo.


– Deixa disso “Seu” pato! – alertou o coelho – Nessas coisas a gente não se mete.


– Mas o galo precisa saber – reafirmou o pato. 


O galo que ia passando pelo terreiro, ouviu a conversa e perguntou com cara de poucos amigos:


– Do que é mesmo que eu preciso ficar sabendo? 


O pato ainda pensou em desistir da armação e tentou mudar de assunto, mas o galo insistiu no questionamento:


– Então “seu” pato, “tô” aguardando! 


– É aquele pavão, ele ta dando em cima da D. Carijó!


– Como é que é?

O galo saiu a procura do pavão com toda fúria. Atravessou o terreiro por cima de tudo e de todos. Estava cego de raiva. Ao encontrar o seu mais novo desafeto, gritou em alto e bom som: 


- Nesse terreiro quem manda sou eu! – Quem o senhor pensa que é pra dar em cima da minha esposa?


– Para tudo! Que galo é esse? Que ser viril! “Tô” chocada! – disse o pavão.


O pato acabou perdendo as penas.

Círculo Vicioso

O círculo vicioso alimentado, de parte à parte, entre políticos e eleitores, destrói qualquer possibilidade de mudanças significativas no at...