quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Conto XV

O Lobo



Dono de um pelo preto e cinza, olhos claros e reluzentes à noite, dentes afiados e garras poderosas o lobo da montanha era temido por todos e considerado um animal muito malvado.

Chateado com as acusações de ser cruel e de ter comido a vovó da Chapeuzinho Vermelho o lobo resolveu desabafar:

— Não agüento mais isso! Todos me culpam sem saber da verdade.

— Que verdade seu lobo? — perguntou o leão que estava deitado se espreguiçando.

— O verdadeiro vilão da história não sou eu.

— Como assim, e quem seria?

— A Chapeuzinho! Ela é que é a vilã.

O leão não acreditava no que dizia o lobo. Espantado, perguntou:

— Quer dizer que você corre atrás da menina, come a vovozinha e ainda diz que a vilã de tudo é a Chapeuzinho?

— É ela, sim! — afirmou o lobo aos prantos — aquela desalmada sempre me atormentou.

— O que está dizendo seu lobo? — retruca o leão — como pode acusar uma menina tão doce de atormentá-lo?

Ao ouvir o elogio do leão à garotinha o lobo se desmancha ainda mais em lágrimas, não consegue se conter e acaba chamando a atenção dos demais habitantes da floresta e uma aglomeração forma-se ao seu redor.

— Queridos amigos vou lhes contar quem é a verdadeira Chapeuzinho.  Vocês irão ficar sabendo e me darão razão em relação à revolta que eu venho sentindo.

Todos permaneceram calados, aguardando o pronunciamento do lobo que mais parecia uma ovelha chorona.

— Eu sempre andei próximo à casa da vovó, ela criava galinhas suculentas e eu, esfomeado, só queria fazer uma boquinha. Mas nunca, nunca tentei pegar uma galinha sequer. Apesar disso a Chapeuzinho vivia jogando pedra em mim, me chamava de narigudo e de orelhudo. Não fiz nada àquela pirralha e era tratado como um cão sarnento. Depois de sofrer muita humilhação resolvi me vingar e fui até a casa da vovó e a tranquei no armário. Vesti as suas roupas e esperei aquela pestinha. Só queria dar um susto.

— E aí? — perguntou o leopardo que chegara naquele minuto.

— Cala a boca leo, deixa o lobo terminar — disse o leão com cara de poucos amigos.

— Ta bom! — retrucou o leopardo — pode continuar, não ta mais aqui quem falou. Eu,
hein!

— Tudo bem! — retomou o lobo — Como eu ia dizendo eu só queria assustá-la. Não faria mal nem a ela e muito menos a vovozinha. Ao contrario de mim, aquela chata e mal criada sabendo que era eu quem estava na cama vestida com as roupas de sua vovó e, fingindo não saber, pegou uma frigideira bem pesada e bateu no meu nariz dizendo: “que nariz grande vovó! Pra que serve?” Depois de ver estrelas de tanta dor eu respondi que era para cheirá-la melhor. Não satisfeita a filha da mãe puxou minhas orelhas e perguntou: “porque orelhas tão grandes, vovó?”. Com o puxão eu acabei caindo da cama e fraturando uma perna. Não agüentei mais e resolvi mostrar quem eu era. Fiz cara de mau e deixei meus dentes à mostra.

— E aí seu lobo, o que aconteceu? — perguntou o leão.

O lobo não disse nada, apenas mostrou sua boca com três dentes a menos.

 Já morrendo de pena do lobo o leão pergunta-lhe:

— Ô seu lobo onde entra o caçador nessa história?

— Boa pergunta seu leão! — disse o lobo — não teve caçador nenhum. A vovó conseguiu sair do armário com uma espingarda e encheu meu rabinho de chumbo.

— Você acha que a gente vai acreditar nisso tudo? — perguntou o leão.

— E tem mais — disse o lobo — espere ate eu contar o que aconteceu, na verdade, com os três porquinhos. Aqueles insensíveis!

















terça-feira, 28 de setembro de 2010

Evolução.

O Homem é um ser em constante evolução, correto? Há controvérsias! Se levarmos em consideração que morávamos em cavernas, que usávamos tambores ou mesmo fumaça para envio de mensagens, evoluiu e muito. Hoje temos telefones fixos e móveis, GPS. A internet talvez seja o maior exemplo de como a informação tornou-se mais rápida e acessível.

Tivemos progresso, também, com relação à medicina com a erradicação de muitas doenças e o aumento da nossa expectativa de vida.

É indiscutível que progredimos em muitas áreas e que há muito que avançar, entretanto existem muitos aspectos negativos na trajetória da humanidade.

O que chamamos de progresso traz consigo um preço: o lixo tecnológico. Inventamos equipamentos maravilhosos que facilitam a nossa vida e nos traz prazer e conforto, mas geralmente são usados elementos tóxicos em sua composição. Esses resíduos poluem a terra, o ar e as águas. Por mais contraditório que possa parecer o progresso pelo qual passa a humanidade pode ser a causa do seu extermínio. Daí a pergunta: será mesmo que estamos evoluindo?

Outro aspecto que podemos analisar são os valores morais e éticos que se perdem pelo caminho da chamada evolução. O ter em detrimento do ser. A sede de poder cega e, com isso, sobressai-se o egoísmo, a ganância e a desonestidade.

E mais uma vez eu pergunto: estamos evoluindo?

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Teoria sobre a Corrupção no Brasil

Disseram-me, certo dia, que poderíamos dividir a população brasileira em três classes distintas: cinco por cento das pessoas seriam incorruptíveis; vinte e cinco por cento seriam formados por indivíduos corruptos de carteirinha e os setenta e cinco por cento restantes dançariam conforme a música. Ou seja, não seriam, necessariamente, corruptas. No entanto seriam mais suscetíveis a sofrer desvios de conduta seja para atingir interesses pessoais ou mesmo por não saber dizer não a pressões nos seus ambientes de trabalho. Não temos como saber se esses percentuais estão corretos, mas creio que as considerações são bastante plausíveis. A teoria ora descrita faz um desenho ruim da nossa sociedade. Concentrando-se apenas naqueles setenta e cinco por cento dá pra imaginar alguns fatores que poderiam ter levado o autor a chegar a essas conclusões. A falta de conscientização da população; os maus exemplos de políticos inescrupulosos; a impunidade; a ineficiência dos órgãos fiscalizadores são elementos que proporcionam maior vulnerabilidade. Esses “incentivos” transformam cidadãos, antes considerados de boa índole, em corruptores ou alvos fáceis para que sejam corrompidos. Em se tratando de corrupção, geralmente faz-se uma relação imediata com benefícios financeiros, porém um indivíduo pode ser corrompido pelo sistema ou pelo seu “diabinho” interior no que diz respeito aos seus procedimentos tanto na sua vida pessoal assim como no seu espaço profissional. Nas administrações do setor público não é difícil de encontrar pessoas que antes tinham comportamentos morais e éticos dignos de admiração, mas que os deixaram diluir com o passar do tempo. Entraram no rol dos funcionários públicos que de alguma maneira contribuem para a falência das instituições e sua conseqüente falta de credibilidade. Vale salientar que ninguém é perfeito e mesmo aqueles que seriam considerados incapazes de se corromper podem cometer erros, porém seriam erros involuntários.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Cliente Interno

Quando uma empresa pública ou privada fala em agradar ao cliente, em tê-lo como um bem precioso que necessita de atenção especial leva-se em consideração, apenas, o cliente externo, aquele que adquire os produtos e/ou serviços. Têm toda razão em criar mecanismos para melhor atender às necessidades e anseios daquele que é a razão de ser de suas existências. Porém, pouco se discute a questão do cliente interno. Quem seria? Quem é esta figura da qual pouco se fala? È aquele que depende do trabalho de outrem para que o seu seja efetuado com eficiência e eficácia. Uma equipe é formada por componentes aonde as atribuições de cada um devem formar um todo. Antes de se tomar qualquer atitude todo e qualquer funcionário deve analisar de que forma essa medida poderia afetar os afazeres de seu colega, seu cliente interno. No setor público, em particular, esse procedimento não é tido como importante por alguns servidores. Aproveitam-se da permissividade dos gestores ao estabelecer horários próprios de permanência nas repartições, impedindo assim, o fluxo normal dos serviços que deveriam ser executados. Em qualquer ambiente em que não haja comprometimento e diálogo problemas como esses podem surgir. Cabe aos dirigentes ficarem alertas e tomarem as devidas providências com rapidez, antes que tal procedimento contamine todo o funcionalismo.

“Que país é esse?”

Pessoas que criticam — com toda razão — políticos que não administram bem o Erário público quando se vêem em situações semelhantes agem da mesma forma; policiais são taxados como corruptos, mas muitos indivíduos que assim os classificam não vacilam em oferecer propinas para que seus veículos não sejam fiscalizados com rigor; muitos servidores públicos, de setores estratégicos, só agilizam processos se lhes “molham” a mão, ou seja, cobram certos valores extras aos requerentes para dar continuidade aos trabalhos pelos quais já são pagos; quem procura atendimento em hospitais públicos, por vezes, só conseguem se antes passarem por um político que alimenta um mercado de troca de favores; adolescentes infratores roubam, matam e quando lhes é perguntado o porquê de agirem dessa maneira, respondem: “pra menor, não dá nada, três anos passa rápido”; adultos roubam, matam, mas se puderem pagar um bom advogado não se consegue colocá-los na cadeia devido às brechas no sistema penal brasileiro; quando um juiz comete algo ilícito tem como punição a aposentadoria compulsória; bancos acumulam lucros astronômicos tarifando tudo que lhes convier e quiser. Todas essas situações retratam um país falido moral, ética e socialmente. O Brasil tem tudo para se tornar uma grande nação, próspera e mais igualitária, porém há de se investir maciçamente em educação. Fala-se em fortalecer as instituições, contudo esquecem que são os homens quem as criam e administram.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

O Brasil da Copa

Li na internet (http://colunistas.ig.com.br/guilhermebarros/2010/08/27/odebrecht-tera-financiamento-do-bndes-e-isencao-fiscal-na-construcao-do-estadio-do-corinthians/ ) que Lula, ele mesmo, o nosso presidente teria sido o principal articulador do projeto de construção do estádio do Corinthians pela empresa Odebrecht para que o mesmo seja sede da Copa de 2014, inclusive com a possibilidade de promover o jogo de abertura. Até que ponto isso poderia ser considerado normal? A construtora utilizaria financiamento do BNDES, ou seja, dinheiro público.
Apesar de não parecer ilegal, há, no entanto, uma impressão de cartas marcadas. O gestor do “Timão” foi o Chefe da delegação da Confederação Brasileira de Futebol - CBF que participou da Copa do Mundo na África do Sul e a candidatura do Estádio do Morumbi, pertencente ao time do São Paulo, já havia sido impugnada pelo Comitê da Copa que tem como membro, o presidente da CBF, o senhor Ricardo Teixeira.
Para piorar as coisas o Lula parece utilizar-se do prestígio presidencial para ajudar o seu time do coração.
A Copa do Mundo no Brasil, por si só, já traz uma desconfiança de que possa ocorrer tráfico de influência, corrupção e que muito dinheiro público poderá encher os bolsos de muita gente, de maneira ilegal, e fatos como os citados acima só reafirmam que o receio é legítimo.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Conto XIV

Noite Sombria 


Uma neblina intensa cobria a cidade. Ninguém em sã consciência deveria andar por aquelas ruas. Havia boatos de que um maníaco atacava as pessoas com uma navalha. Entretanto o dever me chamava. Trabalhava como garçom numa casa noturna e não tinha muita escolha.


Naquela noite passei por uma experiência incrível e perigosa. Estava servindo às mesas quando um homem muito estranho entrou no bar. Ele era muito alto. Deveria ter quase dois metros. Vestia-se de preto. Fui servi-lo. 


— Pois não, senhor! Em que posso... — Traga-me um conhaque — interrompeu-me bruscamente. 


— É claro, só um instante. — respondi. 


Fui pegar sua bebida, mas não antes de perceber uma tatuagem em sua mão direita. Era uma caveira com flores ao redor. Aquilo me deu calafrios. O bar estava cheio, contudo aquela figura chamava a atenção. Ele não demorou muito. Saiu logo após tomar seu terceiro drinque. Foi aí que cometi meu grande erro do dia. Resolvi segui-lo. 


— Aonde você pensa que vai? — perguntou o meu colega. — Agüenta as pontas aí, eu já volto! 


Imaginei, naquele individuo, a figura do tal maníaco que haviam falado. Fui atrás dele. Ficava numa distância de, mais ou menos, vinte metros para que não percebesse que o estava seguindo. Suas passadas eram largas e tive que correr em alguns momentos. Enfim, ele parou. Estávamos numa rua praticamente vazia. Fiquei escondido numa das esquinas. Apenas ele, eu e um par de gatos pretos insistíamos em permanecer ali. O silencio reinava. Ele parecia estar esperando alguém. O tempo passava e o meu medo era ainda maior, porém continuava vigilante e determinado a elucidar aquele mistério. Vinte minutos se passaram. Eu já estava desistindo, pois tinha que voltar ao trabalho. Até que uma mulher aparece caminhando em direção àquele senhor sinistro. Não sabia o que fazer. Tentei avisá-la do perigo que ela correria se desse mais alguns passos, quando meu telefone celular tocou. Era meu colega garçom. Atendi rapidamente, torcendo para que o “malfeitor” também não tivesse ouvido.


— Cadê você? O patrão ta louco da vida contigo! — Não posso falar agora. Tchau! 


Tarde demais. O “maníaco” estava na minha frente. Não sabia se eu corria, rezava ou até mesmo se chorava. Minhas pernas tremiam. O coração quase sai pela boca. 


— Você é o cara do bar! Por acaso estava me seguindo? — Eu... Eu... Não! Não! 


Quando pensei que seria retalhado e jogado aos cães, ouvi uma linda voz perguntando:


— Algum problema papai?


Fiquei surpreso.


— Papai? — perguntei.


— Sim! Essa é minha filha e aquela é a minha casa. Eu aguardo a minha Suzana chegar da faculdade aqui todos os dias. Essa rua é muito deserta e com esses boatos de maníaco solto por aí... 


— Por favor, me desculpe! Eu e minha imaginação fértil. Deixei-me levar pelas aparências e achei que o senhor poderia ser esse louco.


— Suma daqui! — disse-me. 


Estava indo embora quando percebi que aquele homem deixara cair algum objeto. Fui pegá-lo. Poderia diminuir meu constrangimento devolvendo-lhe algo que havia perdido, pensei. Só fui saber de que artefato se tratava quando o peguei nas mãos. Uma navalha!

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Conto XIII

Apenas, um dia!


Acordo! Faço minha higiene pessoal, tomo café e troco de roupa para ir trabalhar. Ao ligar o carro observo que o combustível está na reserva. Que chato! Terei que desembolsar alguns trocados com gasolina.


No caminho tenho que desviar de buracos na pista. O sinal vermelho de um semáforo faz com que eu pare. Nem todo mundo age da mesma maneira. Muitos invadem. Que povo mal educado!


— Filho da p... — esbravejou, revoltado, um motorista que fora fechado por um outro veículo.


Meu mundo fica verde e volto a seguir a minha jornada. É cedo e a cidade ainda não despertou por completo. Vejo moradores de rua dormindo em calçadas tendo como colchões pedaços de papelão. Vida ingrata! Enfim, chego ao trabalho. 


— Bom dia! — Bom dia seu Carlos! Como vai? — indaga-me o vigia da empresa.


— Muito bem, obrigado! 


Abro a sala do escritório e visualizo minha poltrona. Ela é grande, preta, bem acolchoada. Confortável. Porque será que reparei na minha poltrona? Hora de trabalhar. Ligo o computador. Ler minhas mensagens é a minha primeira tarefa do dia. Mas eu não disse que era hora de trabalhar? Nada disso. Inicialmente verifico os “e-mails” e leio os jornais. È assim todos os dias. 


Depois de muita correria, discussões, erros e acertos, é hora do almoço. Nem sempre consigo ir almoçar em casa. Hoje é um desses dias. Comerei uma pizza na pastelaria da esquina. Se não fosse pelo trabalho tomaria uma taça de vinho. Peço uma pizza pequena de mussarela, minha preferida. A garçonete me diz que talvez demore um pouco, pois há muitos pedidos. Disse isso com um belo sorriso. Fiquei encantado por ela. Nunca a tinha visto trabalhando ali. Tinha um belo corpo, cabelos compridos. Loiros.


— Já estou trazendo sua pizza! Não quer beber nada? — perguntou-me a linda garçonete. 


Fiz um gesto com a cabeça demonstrando que não iria beber nada e agradeci. Os minutos se passavam e nada de pizza. Comecei a ficar incomodado. Irritado. Nem aquele sorriso que tanto admirei fez com que eu me acalmasse. Detesto esperar. Enfim, quinze minutos depois chega a minha vez. Ela chegou. Refiro-me à pizza. Tinha apenas trinta minutos para devorá-la.


— Queimada! — gritei, após experimentar o primeiro pedaço — a minha pizza está queimada! 


— Desculpe-me senhor eu trarei outra. — disse-me a garçonete, constrangida. 


— Pra esperar mais quanto tempo? Esquece! Perdi o apetite. 


Saí da pastelaria com fome e indignado.


— Como foi o almoço? — perguntou-me o vigia da empresa


Fiz uma cara feia e nada respondi. Fiquei emburrado o resto do dia. Qualquer coisa me tirava do sério. Seis horas da tarde. Liberdade! Volto pra casa. Era dia de academia, mas só penso em compensar minha dieta forçada do almoço preparando uma bela macarronada e tomando todo o vinho que tiver vontade. Ouço um barulho. O carro insiste em ir para o lado direito. Estaciono e vou verificar o que aconteceu. Pneu furado. Imaginei o que mais de ruim poderia acontecer. 


— Onde está o estepe? — gritei desesperado - Roubaram meu pneu! 


Cai na gargalhada. Tive uma crise de riso que parecia não ter fim. Eu ria da minha própria desgraça. Depois de resolvido o problema, chego a minha casa, exausto. Deixo a ideia de macarronada de lado e me contento com um pedaço de bolo e um copo de suco que estava na geladeira. Procuro um filme na televisão. Pego no sono.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Conto XII

Fio de Esperança

– “O Sertanejo é antes de tudo um forte!”. Quem foi que disse isso mermo?

– Eu sei lá quem disse isso homi, ta variando?

– Eu tô falando sério! Um poeta disse isso, só não lembro o nome do danado.

– E porque ele disse isso, José?

– Sei lá, ele deve de ter procurado passarinho pra caçar e pra não voltar de mãos vazias apareceu com um calango do mato ou pode ter visto a criação morrer de fome e de sede no quintal de casa. De repente ele já chorou depois de ouvir os filhos pedindo por comida, quem sabe? O que eu sei é que a gente nasce, vive e morre lutando. Lutando por um cadim de comida, uma cama macia, um cobertor pra fugir do frio, um teto pra proteger nóis da chuva e do sol.

– É isso mermo! – concordou Maria.

José, Maria e seus dois filhos estavam alojados na quadra de esportes de um colégio, pois sua casa havia sido destruída pelas águas do açude que, depois de ter quebrado a represa devido às fortes chuvas, invadiram o pequeno povoado onde dezenas de famílias foram atingidas. A situação era crítica e os desabrigados tinham que contar com a solidariedade de outras pessoas.

– Aposto que esse poeta num sabe o que é perder sua casa e sua plantação! – resmungou Maria.

– Maria, eu acho que ele quis dizer é que pra tudo tem um jeito, e se não tem, o sertanejo arruma. Quantas vezes a gente passou fome? Lembra daquela vez que a gente deu farinha com açúcar pras crianças por três dias seguidos? A gente continua vivo, num continua?

– Eu num entendo José, a gente passa um aperto daqueles pra plantar arguma coisa e a chuva num vem, até rezar nóis reza e nada. Agora, vem esse mundo de água e derruba nossa casa e estraga nossa plantação. Isso é justo?

– As coisa de Deus nós num discute mulé, pode até lamentar, mas num discute!

– Pai, mãe eu tô com fome! – disse o filho mais novo ao acordar

José e Maria se olharam, procuraram a sua volta e nada tinham a oferecer à criança.

– Dorme meu filho, dorme! – disse José, desconsolado.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Conto XI

Inesquecível

Lembro-me do meu último presente de criança que meu pai me deu no natal de 1980. Era um domingo e logo cedo todos se preparavam para ir à igreja. Nesse dia eu havia dormido na sala, pois tínhamos visitas. Meu tio Carlos e meus primos vieram festejar conosco a data natalina. Tio Carlinhos, como eu o chamava, era um homem alto, cabelos grisalhos, um bigode enorme que lhe cobria a boca. Ele era engraçado! Seus filhos eram duas pestes! Juan tinha mania de chutar canelas e puxar nossos cabelos. Aos doze anos ainda não sabia escrever direito e vivia de castigo. O filho mais velho de meu tio era o Joaquim que tinha, se me lembro bem, uns quinze anos. Achava-se o tal! Vaidoso, demorava duas horas no banheiro para tomar banho. Não nos dávamos muito bem, pois como ele era mais velho que eu gostava de me dar cascudos sem motivo algum. Ele só não era páreo para meu amigo Nestor.

A amizade entre Nestor e eu era fora do comum! Fomos criados juntos desde os dois anos de idade e nossas mães eram comadres. Pelo menos se tratavam assim. Era comadre pra lá, comadre pra cá!

Eu já ia esquecendo, tava falando do brinquedo que meu pai me dera. Era um carro de plástico. Um carro desses de corrida, eu não sei qual era a marca. Se não fosse pelo tamanho todo mundo diria que era de verdade. Fiquei apaixonado logo de cara e agradeci ao meu pai pulando e agarrando-me em seu pescoço. Estava muito feliz!

– Obrigado meu pai! Obrigado!

– Não foi nada meu filho, que bom que você gostou!

Depois de agradecer ao “meu velho” fui ao encontro de Nestor para lhe mostrar o lindo presente que havia ganhado. Nem me lembrei de meus primos. Nestor e eu tínhamos a mesma idade e gostos bem parecidos. Não sei quem foi influenciado por quem. A diferença entre nós era apenas no tamanho. Nestor era um “monstrinho”! Desenvolveu-se muito rápido e aos doze anos já tinha a mesma altura que seu pai, que não era pequeno.

– Nestor, olha o que eu ganhei! Olha só, olha! – gritei quase sem fôlego.

– Calma cara!

– Veja isso! Não é uma beleza? – perguntei-lhe

Nestor sorriu e me pediu para dar uma volta com meu carro. Apesar de eu mesmo ainda não ter colocado meu carrinho no chão era o meu melhor amigo quem tava pedindo. Não vacilei.

– Claro cara! Pega um barbante e vamos amarrar aqui na frente!

Apesar do tamanho Nestor era um moleque que gostava de brincar como qualquer outro. Ao sair de sua casa com um barbante na mão vi a dimensão de sua alegria. Parecia ainda mais alegre que eu. Estávamos amarrando o carro para que pudéssemos puxá-lo quando minha mãe me gritou:

– Filho, o que você está fazendo?

– Estou brincando com o Nestor, estamos inaugurando meu carro novo!

– Está bem, mas não demore pro almoço!

Amarramos o barbante e Nestor saiu a toda velocidade com meu possante. Tudo ia bem até que fiquei com vontade de aproveitar o meu brinquedo.

– Nestor, agora é minha vez!

– Agora não! – respondeu ele.

– Como não? O carro é meu, ta?

Ao ouvir essa minha frase, Nestor parou repentinamente e com um olhar frio devolveu-me o carro sem dizer uma só palavra indo embora para sua casa.

– Ele exagerou, ele exagerou! – repeti comigo mesmo.

Diante do que havia acontecido voltei para a minha casa e fui tomar banho para o almoço. Minha mãe estava na cozinha, de tão agoniada nem me viu passar. Deixei meu brinquedo na varanda, tomei meu banho, troquei de roupa e fui à sala. Meu pai e meu tio assistiam ao futebol. Não sabia onde estavam meus primos. Logo após o almoço fui para meu quarto fazer a lição de casa, alguns exercícios que a minha professora tinha passado. Logo anoiteceu.

De tão cansado acabei adormecendo, só despertando pela manha e depois de um terrível pesadelo. Sonhei estar circulando com meu carrinho pelas ruas da cidade até que um garoto de outra rua tomava meu brinquedo das minhas mãos e saia cantarolando:

– Tomei o brinquedo de um otário! Tomei o brinquedo de um otário!

Foi horrível! Levantei que nem um louco e fui olhar se minha maravilha de quatro rodas ainda estava onde eu havia deixado.

– Ué! Cadê meu carro? – gritei.

Corri de um lado pro outro procurando, olhei embaixo dos móveis, no quintal e nada. Estava trêmulo, nervoso e comecei a chorar. Num instante veio em minha mente o dia anterior. Lembrei do quanto Nestor havia ficado chateado comigo. Pensamentos ruins vieram à minha cabeça.

– Será que foi o Nestor? – pensei em voz alta.

Nunca imaginei desconfiar do meu melhor amigo, mas isso martelava na minha mente. Não conseguia pensar em outra coisa, então resolvi procurá-lo.

– E aí cara, onde ta meu carro?

– Porque ta me perguntando? Depois de me humilhar, agora ta me chamando de ladrão?

Nestor se aproximou de mim e com uma força absurda acertou o meu queixo com um soco. Parecia que um cavalo havia me dado um coice. Voltei pra minha casa com a certeza de ter perdido meu melhor amigo. Assim que cheguei encontrei meu pai que foi me perguntando:

– Que cara é essa, meu filho?

– Meu carro sumiu! – respondi

– Não sumiu, não! ­– disse meu pai – seu tio foi embora hoje cedo muito envergonhado depois de devolver o seu brinquedo que Juan escondeu em uma das malas.

– Que droga! – retruquei

– Não gostou de ter seu brinquedo de volta?

– Não é isso, é que eu desconfiei do Nestor. Ele nunca vai me perdoar.

No outro dia, todo encabulado, fui à casa do Nestor, contei tudo que havia acontecido e lhe pedi desculpas. Ele me ouviu atentamente, olhou-me fixamente e veio em minha direção. Fechei os olhos esperando outro soco. Nem pensei em correr, eu tava merecendo. Em vez de um nocaute ganhei um grande abraço.

– Deixa de besteira meu amigo! – disse-me Nestor – vamos brincar!

Círculo Vicioso

O círculo vicioso alimentado, de parte à parte, entre políticos e eleitores, destrói qualquer possibilidade de mudanças significativas no at...