segunda-feira, 7 de junho de 2010

Conto XI

Inesquecível

Lembro-me do meu último presente de criança que meu pai me deu no natal de 1980. Era um domingo e logo cedo todos se preparavam para ir à igreja. Nesse dia eu havia dormido na sala, pois tínhamos visitas. Meu tio Carlos e meus primos vieram festejar conosco a data natalina. Tio Carlinhos, como eu o chamava, era um homem alto, cabelos grisalhos, um bigode enorme que lhe cobria a boca. Ele era engraçado! Seus filhos eram duas pestes! Juan tinha mania de chutar canelas e puxar nossos cabelos. Aos doze anos ainda não sabia escrever direito e vivia de castigo. O filho mais velho de meu tio era o Joaquim que tinha, se me lembro bem, uns quinze anos. Achava-se o tal! Vaidoso, demorava duas horas no banheiro para tomar banho. Não nos dávamos muito bem, pois como ele era mais velho que eu gostava de me dar cascudos sem motivo algum. Ele só não era páreo para meu amigo Nestor.

A amizade entre Nestor e eu era fora do comum! Fomos criados juntos desde os dois anos de idade e nossas mães eram comadres. Pelo menos se tratavam assim. Era comadre pra lá, comadre pra cá!

Eu já ia esquecendo, tava falando do brinquedo que meu pai me dera. Era um carro de plástico. Um carro desses de corrida, eu não sei qual era a marca. Se não fosse pelo tamanho todo mundo diria que era de verdade. Fiquei apaixonado logo de cara e agradeci ao meu pai pulando e agarrando-me em seu pescoço. Estava muito feliz!

– Obrigado meu pai! Obrigado!

– Não foi nada meu filho, que bom que você gostou!

Depois de agradecer ao “meu velho” fui ao encontro de Nestor para lhe mostrar o lindo presente que havia ganhado. Nem me lembrei de meus primos. Nestor e eu tínhamos a mesma idade e gostos bem parecidos. Não sei quem foi influenciado por quem. A diferença entre nós era apenas no tamanho. Nestor era um “monstrinho”! Desenvolveu-se muito rápido e aos doze anos já tinha a mesma altura que seu pai, que não era pequeno.

– Nestor, olha o que eu ganhei! Olha só, olha! – gritei quase sem fôlego.

– Calma cara!

– Veja isso! Não é uma beleza? – perguntei-lhe

Nestor sorriu e me pediu para dar uma volta com meu carro. Apesar de eu mesmo ainda não ter colocado meu carrinho no chão era o meu melhor amigo quem tava pedindo. Não vacilei.

– Claro cara! Pega um barbante e vamos amarrar aqui na frente!

Apesar do tamanho Nestor era um moleque que gostava de brincar como qualquer outro. Ao sair de sua casa com um barbante na mão vi a dimensão de sua alegria. Parecia ainda mais alegre que eu. Estávamos amarrando o carro para que pudéssemos puxá-lo quando minha mãe me gritou:

– Filho, o que você está fazendo?

– Estou brincando com o Nestor, estamos inaugurando meu carro novo!

– Está bem, mas não demore pro almoço!

Amarramos o barbante e Nestor saiu a toda velocidade com meu possante. Tudo ia bem até que fiquei com vontade de aproveitar o meu brinquedo.

– Nestor, agora é minha vez!

– Agora não! – respondeu ele.

– Como não? O carro é meu, ta?

Ao ouvir essa minha frase, Nestor parou repentinamente e com um olhar frio devolveu-me o carro sem dizer uma só palavra indo embora para sua casa.

– Ele exagerou, ele exagerou! – repeti comigo mesmo.

Diante do que havia acontecido voltei para a minha casa e fui tomar banho para o almoço. Minha mãe estava na cozinha, de tão agoniada nem me viu passar. Deixei meu brinquedo na varanda, tomei meu banho, troquei de roupa e fui à sala. Meu pai e meu tio assistiam ao futebol. Não sabia onde estavam meus primos. Logo após o almoço fui para meu quarto fazer a lição de casa, alguns exercícios que a minha professora tinha passado. Logo anoiteceu.

De tão cansado acabei adormecendo, só despertando pela manha e depois de um terrível pesadelo. Sonhei estar circulando com meu carrinho pelas ruas da cidade até que um garoto de outra rua tomava meu brinquedo das minhas mãos e saia cantarolando:

– Tomei o brinquedo de um otário! Tomei o brinquedo de um otário!

Foi horrível! Levantei que nem um louco e fui olhar se minha maravilha de quatro rodas ainda estava onde eu havia deixado.

– Ué! Cadê meu carro? – gritei.

Corri de um lado pro outro procurando, olhei embaixo dos móveis, no quintal e nada. Estava trêmulo, nervoso e comecei a chorar. Num instante veio em minha mente o dia anterior. Lembrei do quanto Nestor havia ficado chateado comigo. Pensamentos ruins vieram à minha cabeça.

– Será que foi o Nestor? – pensei em voz alta.

Nunca imaginei desconfiar do meu melhor amigo, mas isso martelava na minha mente. Não conseguia pensar em outra coisa, então resolvi procurá-lo.

– E aí cara, onde ta meu carro?

– Porque ta me perguntando? Depois de me humilhar, agora ta me chamando de ladrão?

Nestor se aproximou de mim e com uma força absurda acertou o meu queixo com um soco. Parecia que um cavalo havia me dado um coice. Voltei pra minha casa com a certeza de ter perdido meu melhor amigo. Assim que cheguei encontrei meu pai que foi me perguntando:

– Que cara é essa, meu filho?

– Meu carro sumiu! – respondi

– Não sumiu, não! ­– disse meu pai – seu tio foi embora hoje cedo muito envergonhado depois de devolver o seu brinquedo que Juan escondeu em uma das malas.

– Que droga! – retruquei

– Não gostou de ter seu brinquedo de volta?

– Não é isso, é que eu desconfiei do Nestor. Ele nunca vai me perdoar.

No outro dia, todo encabulado, fui à casa do Nestor, contei tudo que havia acontecido e lhe pedi desculpas. Ele me ouviu atentamente, olhou-me fixamente e veio em minha direção. Fechei os olhos esperando outro soco. Nem pensei em correr, eu tava merecendo. Em vez de um nocaute ganhei um grande abraço.

– Deixa de besteira meu amigo! – disse-me Nestor – vamos brincar!

Lutar é preciso!

     "O certo é o certo, mesmo que ninguém o faça. O errado é o errado, mesmo que ninguém esteja vendo".      Eu acredito nisso! N...