O povo reclama dos ambulantes que
deixam as calçadas intransitáveis e sujas, mas não se nega a comprar suas
mercadorias. Seria uma maneira de coibir os abusos, mas a comodidade fala mais
alto. Por mais absurda que seja a situação de um desses vendedores, não lhe
faltam fregueses. O Estado também tem sua parcela de culpa, pois a fiscalização
é falha, entretanto quando um ambulante é punido com a apreensão de sua
mercadoria (até porque talvez não exista outra forma de fazê-lo) não é raro
aparecer quem os defenda com frases do tipo: deixa o cara trabalhar, ele é um
pai de família. É uma situação delicada, isso é fato. Outra situação que me
parece bem controversa são os roubos de uma maneira geral, mas especificamente
o roubo de veículos e de celulares: Sem querer tirar a responsabilidade do
poder público em salvaguardar a nossa segurança (que fique muito claro), mas
acredito que a maioria dos roubos só existe porque há uma demanda. Ou seja, tem
sempre alguém que compra peças de veículos e celulares sabendo que os mesmos
foram frutos de roubo. Teoricamente a solução para muitos problemas depende da consciência
de cada um. Há quem defenda a dar prioridade aos delitos maiores, aos erros maiores,
aos desvios maiores. Para estas pessoas aquilo que é considerado de menor expressão
acaba se resolvendo por si só ou pode ser tolerado. Eu não vejo dessa maneira.
Para mim, na maioria das vezes só acontece um mal maior porque os menores foram
negligenciados. É só um ponto de vista.
Um enredo que se repete ano a ano, principalmente próximo do envio das propostas orçamentárias e comumente mediante greves, é aquele em que os servidores públicos batalham contra a Administração Pública na busca de melhorias salariais.
Após a pressão, a Administração parcialmente cede e oferece algum ganho remuneratório. Umas categorias recebem outras não e outras recusam a proposta. Inconformados de não terem ganho ou arrependidos por não ter aceitado, os servidores questionam: por conta da isonomia, não temos também direito mesmo ganho concedido aos demais?
Depende se foi reajuste remuneratório, que consta na primeira parte do inciso X do artigo 37 da Constituição da República, ou se foi revisão geral anual, que assim finaliza o dispositivo:
Art. 37 […] X – a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices;
A diferença é sensível, pois apresentam naturezas jurídicas diversas, decorrem de institutos constitucionais distintos e iniciativas legislativas diferenciadas, o que acaba influenciando diretamente no direito à isonomia nos ganhos salariais.
A revisão geral anual tem por alvo a reposição da variação inflacionária que corroeu o poder aquisitivo da remuneração, e deve ter a iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo e envolver todos os servidores públicos, sempre na mesma data e sem distinção de índices.
Em tese, essa reposição inflacionária não representa conquista de melhoria ou aumento remuneratório, pois apenas resgata o poder aquisitivo subtraído pela elevação do custo de vida, vez que mantém o valor real dos salários. Nisso reside a lógica de ser dirigida a todos os servidores, porque sofrem com a mesma corrosão inflacionária, indistintamente.
Já a fixação ou reajuste remuneratório, diferentemente da revisão geral, direcionam-se a reengenharias ou revalorizações de carreiras específicas, mediante reestruturações de tabela, e que por isso, de regra, não são dirigidos a todos os servidores públicos.
Nesse caso, a Constituição reserva às iniciativas legislativas privativas de cada órgão administrativamente e orçamentariamente autônomo a liberdade de escolher quais carreiras ou cargos que devem receber aumento, sem que isso viole a isonomia em relação àqueles que não receberam o mesmo acréscimo (a depender do regime), “porquanto normas que concedem aumentos para determinados grupos, desde que tais reajustes sejam devidamente compensados, se for o caso, não afrontam o princípio da isonomia” (STF, ADI 3.599).
Óbvio é que, no mesmo cargo, não pode haver distinção no reajuste de remunerações, pois representaria ofensa direta à isonomia preconizada nos artigos 5º e 39 da Constituição da República, já que é o exercício das mesmas atribuições e responsabilidades do cargo que quantifica o valor do salário.
A propósito, a inteligência da Súmula STJ 378 demonstra que nem mesmo o nível de escolaridade pode servir de base para discriminação remuneratória, pois, se exercidas as mesmas funções, os servidores devem receber igualmente.
Hely Lopes Meirelles, comentando a diferenciação em debate, afirmou:
Há duas espécies de aumento de vencimentos: uma genérica, provocada pela alteração do poder aquisitivo da moeda, à qual poderíamos denominar de aumento impróprio, por se tratar, na verdade, de um reajustamento destinado a manter o equilíbrio da situação financeira dos servidores públicos; e outra específica, geralmente feita à margem da lei que concede o aumento geral, abrangendo determinados cargos ou classes funcionais e representando realmente uma elevação de vencimentos, por se fazer em índices não proporcionais ao do decréscimo do poder aquisitivo. (in Direito Administrativo Brasileiro, 29ªed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 459).
Então, caso aqueles ganhos que causaram dúvidas aos servidores decorram de revisão geral anual, sim, todos teriam direito aos mesmos aumentos. Do contrário, se se tratar de reajuste remuneratório, num primeiro momento, faltariam fundamentos para invocar a isonomia a fim de receber os mesmos patamares.
Ainda em relação à revisão geral anual, é certo que os servidores não necessitariam pelejar cotidianamente com a Administração para consegui-la, pois trata-se de matéria que, embora esteja na iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, não permite discricionariedade administrativa, porque é um comando constitucional impositivo e vinculado que deveria ser obedecido anualmente. Algumas teses foram levadas ao Judiciário para tentar obter a recomposição, as quais serão abordadas numa outra oportunidade.
Por Robson Barbosa